A Mulher e a Sociedade na obra de Machado de Assis


A Figura Feminina no conto Confissões de uma viúva moça de Machado de Assis[*]

Por: Francisca Silva Cruz e Jaisse Mendes de Souza**
Joabson Figueiredo***

Resumo: Este artigo analisa os aspectos da narrativa do conto “Confissões de uma viúva moça” (Contos Fluminenses /1870), de Machado de Assis, discutindo o papel da literatura para a formação/educação sentimental da mulher machadiana.

Palavras-chave:Aspectos da narradora”; figura da mulher, sociedade.
Abstract: This paper examines aspects of the narrative of the story "Confessions of a widow lady" (Tales Fluminenses / 1870), Machado de Assis, discussing the role of literature for the formation / Machado sentimental education of women.
Keys-words: Aspects of the narrator "; figure of women, society

[*] Artigo foi solicitado pelo professor Joabson Figueiredo, como componente avaliativo da disciplina Construção do Sentido no Texto Literário

** Graduandas do curso em Letras 2010.2 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.

*** Orientador do Artigo docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
  
Introdução
Joaquim Maria Machado de Assis, nascido em 1839, é considerado o maior nome da literatura nacional. Foi poeta, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista e crítico literário. Ele é considerado unanimemente pela crítica a figura mais alta do romance brasileiro.
Segundo José Veríssimo, Machado de Assis é "um dos raros escritores brasileiros de quem se pode dizer que deixou uma obra única, inteira e perfeita, e que seria distinta em qualquer literatura". Seus escritos caracterizam-se pela limpidez, correção e sobriedade da forma, e por uma nota de amargo humor, à maneira de Swift e Sterne. No domínio do romance, da novela e do conto publicou: Contos Fluminenses  (CF); Ressurreição; Histórias da Meia Noite. Seus títulos mais famosos e importantes são: Memórias Póstumas de Brás Cubas; Dom Casmurro e Quincas Borba. (Fonte 1)
Sua obra constitui-se em nove romances e peças teatrais, 200 contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos e mais de 600 crônicas. Veio a falecer em 1908, aos 79 anos de idade.
                                       As “Confissões de uma viúva moça” são as cartas de Eugênia à amiga Carlota, narrando a sua paixão proibida e a culpa dessa traição depois da perda do marido. Machado brinca com a sua situação de escritor de folhetins; a própria Eugênia, narradora, admite que a sua forma de apresentação dos fatos se assemelha a este gênero:
As minhas cartas irão de oito em oito dias, de maneira que a narrativa pode fazer-te o efeito de um folhetim de periódico semanal.” (ASSIS apud GLEDSON, 1998, p. 95).
"Confissões de uma Viúva" de Machado de Assis foi publicado como folhetim de maio a julho de 1865, no Jornal das Famílias. O conto não é assinado por Machado, mas simplesmente por J. O conto trata de confissões de uma viúva moça à uma amiga, por cartas, pois o conteúdo das confissões são de fazer corar. Do melhor jeito machadiano, o conto prende a atenção do leitor e aguça sua curiosidade do começo ao fim.
Em 1o de abril de 1865, saiu a edição mensal do Jornal das Famílias (1863-1878) que foi um periódico carioca do tempo de Machado de Assis que, inclusive, foi colaborador do jornal. O periódico era uma transformação da Revista Popular (1858-1862) destinado ao público feminino que crescia consideravelmente na época. Seu editor era Baptiste Louis Garniere. Com ele saiu também dois capítulos do conto em questão. No primeiro, logo no início, a "viúva moça" escreve a uma amiga uma carta, que funciona como um prólogo à sua narrativa, e relembra: "Há dois anos tomei uma resolução singular: fui residir em Petrópolis em pleno mês de junho".(Contos, v. 1, p. 94). Essa atitude um pouco insensata – buscar o frio e a solidão da montanha em pleno inverno fluminense – será agora explicada à amiga em todas as suas motivações: "É tempo de contar-te este episódio da minha vida. Quero fazê-lo por cartas e não por boca. Talvez corasse de ti. Deste modo o coração abre-se melhor e a vergonha não vem tolher a palavra nos lábios (...)." (Contos, v. 1, p. 95).

No segundo capítulo, Eugênia inicia a narrativa que explica sua retirada: fala de sua vida social no tempo em que era vivo o marido e de um sujeito que, um dia, no teatro, olhou-a com tamanha insistência que fez com que ela o notasse. Sentenciosa, diz a Carlota:

“Somos todas vaidosas de nossa beleza e desejamos que o mundo inteiro nos admire. É por isso que muitas vezes temos a indiscrição de admirar a corte mais ou menos arriscada de um homem. Há, porém, uma maneira de fazê-la que nos irrita e nos assusta; irrita-nos por impertinente, assusta-nos”por perigosa. É o que se dava naquele caso. (MACHADO DE ASSIS, 1998, p. 98)

A viúva moça conta às suas leitoras (Carlota, é claro, é a interlocutora que ocupa o lugar de todas as outras leitoras, as quais são, por sua vez, todas elas, possíveis interlocutoras de cartas reveladoras de uma amiga) os detalhes da corte: o admirador não a deixara em paz com seu olhar; ela decidira ir embora entre o segundo e o terceiro atos do espetáculo; ao sair, lá estava o admirador a encará-la do mesmo modo fixo; perturbada com o fato, retirara-se da vida social por algum tempo. Um dia, porém, recebera uma carta dele, confessando-lhe seu amor. Segundo narra, sentiu-se confusa, aterrada e envergonhada com o fato, mas, logo, curiosa.

O narrador feminino de Machado de Assis

Este conto merece atenção especial: é o primeiro da coletânea voltado para a temática do gênero feminino, (GLEDSON, 1986) é o primeiro narrado totalmente em primeira pessoa e por uma mulher, a própria  Eugênia. Até aqui, a mulher nos contos mal tinha espaço para se expressar e esteve bem longe do foco central da narrativa. Agora ela é a narradora e seus sentimentos são exatamente o alvo.

“Confissões de uma viúva moça”, narrativa de Contos Fluminenses (1870) é um conto singular na obra machadiana, pois revela um dos poucos momentos em que o escritor utilizou-se de um narrador feminino. Eugênia, a jovem viúva do conto, escreve a uma amiga “confessando” seus deslizes amorosos quando casada.

Os termos das cartas são escritos à moda do romance epistolar e a fórmula é a mais simples do gênero: o narrador, redator das cartas, exprime a um outro (ausente no diálogo, pois não temos suas respostas) seus sentimentos mais íntimos, permitindo com que o autor faça “um devassamento minucioso da personagem (...) e um desnudamento da subjetividade comparável ao confessionalismo de um diário íntimo.” (SILVA, 1968, p. 294-5). Essa característica missivista, centrada em uma única voz, confunde-se com o diário íntimo ou as memórias. Oscar Tacca observa, no entanto, que “as memórias implicam uma distância temporal em relação àquilo que é narrado; o diário, pelo contrário, uma coetaneidade. As cartas podem saltar livremente de um caso para o outro.” (TACCA, 1983, p. 41). Ao mesmo tempo em que as cartas da viúva podem ser comparadas a um “diário íntimo”, dado seu aspecto confessional, elas se enquadram na perspectiva da memória, conferindo um outro formado ao texto, distante da simultaneidade entre fato e escrita. Dessa forma, o recurso ao gênero epistolar, no conto, apesar de garantir uma maior penetração no universo íntimo da mulher, apela para certo racionalismo, responsável pelo depuramento das emoções femininas.

Uma questão social
Nesse trabalho foram observadas a forma de apresentação dessas personagens e de suas atitudes pelo narrador e, principalmente, a postura delas no que se refere ao estabelecimento de sua situação social.

O discurso da narradora se origina de suas insatisfações e rancores, ele vem acompanhado de um rigor de composição que o assemelha, em muitos momentos, à feitura de um romance. A própria organização do material narrado em um formato já predispõe ao uso da racionalidade, evidente em alguns trechos do conto:

 “Não cuides que eu fazia então esta dupla evocação bíblica e pagã. Naquele momento, não refletia, desvairava; só muito depois pude ligar duas idéias.” (CF, p. 176).

Neste conto Machado traz para em sua obra a delicada situação das mulheres do seu tempo, espremidas entre a necessidade do casamento e da família para se realizar e encontrar segurança social e, ao mesmo tempo, entre a necessidade de preenchimento de requisitos de ideal de mulher com atributos como a passividade, a submissão e a obediência. Por isso, se faz essencial observar a postura delas no que se refere ao estabelecimento de sua situação social. O estabelecimento da situação social era um ponto determinante para as mulheres do universo para o qual Machado escreve. Ingrid Stein destaca que o casamento na segunda metade do século XIX representava a maior aspiração para a maioria das moças, já que era a única chance de obtenção de um status social mais elevado. É relevante observar que a esfera de poder de decisão e a influência feminina estavam restritas quase que exclusivamente a casa, inclusive a possibilidade de realização da mulher ocorria majoritariamente através de seu marido e filhos. Dessa forma, o casamento era um evento essencial na vida da mulher, através do qual ela conseguia status e função social. Therezinha Mucci Xavier esclarece que os principais atributos do papel feminino que predominaram no século XIX foram a passividade, a dependência e a emocionalidade e a chance de obter de um status social mais elevado.
É preciso ressaltar que, apesar da temática ousada, a narrativa é repleta de julgamento e repreensão moral com relação à protagonista, o que tornaria o conto antipático ao seu público-alvo feminino se a narradora não fosse a própria Eugênia. Dessa forma, o efeito se inverte e chega a ser quase “educativo”. O objetivo da viúva é maior que narrar suas desventuras à amiga, é instruir as moças desavisadas sobre os perigos de sucumbir aos galanteios de um conquistador, perturbando a paz do casamento.
“Ganhei conhecer um homem cujo retrato trago no espírito e que me parece singularmente parecido com outros muitos. Já não é pouco; e a lição há de servir-me, como a ti, como às nossas amigas inexperientes. Mostra-lhes estas cartas; são folhas de um roteiro que se eu tivera antes, talvez não houvesse perdido uma ilusão e dois anos de vida.” (ASSIS apud GLEDSON, 1998, p. 95)
Mesmo antes de ser viúva – situação especial em que a mulher se torna livre para cuidar do próprio destino – Eugênia tem uma postura altiva, tanto em relação a seu marido quanto a seu amante. Ela ordena que Emílio viva e ainda afirma que não fugirá com ele. Já viúva, ela mesma decide que é culpada, se pune com dois anos de exílio em Petrópolis e se libera da pena voltando à corte depois de enviar as cartas à amiga.

“Era justo: aquele amor culpado não podia ter bom fim; eu fui castigada pelas conseqüências mesmo do meu crime.” (ASSIS apud GLEDSON, 1998, p. 121)

 E ainda:                    
    “O amor ofendido e o remorso de haver de algum modo traído a confiança de meu esposo fizeram-me doer muito. Mas eu creio que caro paguei o meu crime e acho-me reabilitada perante a minha consciência. Achar-me-ei perante Deus?” (ASSIS apud GLEDSON, 1998, p. 122)

Considerações Finais

“Confissões de uma viúva moça” evidencia o processo de transformação da leitora. Eugênia em narradora, mostrando-a mais gabaritada em suas especulações literárias, não só quanto ao modo de distinção entre os vários gêneros literários, mas, sobretudo, quanto à sua escrita e à forma romanesca que lhe dá, valendo-se de um tipo de narrativa epistolar. Machado introduz o amadurecimento feminino mediado, em parte, pelo mundo do romance, já que Eugênia aprende a manipular melhor e a seu favor a expressão literária, convertendo-a em estratégia de cooptação de sua “leitora” no processo de sedução romanesca.
O narrador machadiano não só observa as cenas de um lugar privilegiado e com uma linguagem privilegiada, que lhe permite perscrutar os mais ilustres pensamentos e situações, mas também conversa com o seu leitor sempre que acha necessário intervir e isso possibilita ao leitor dialogar com texto.
O que observamos nessas narrativas (e em quase todas publicadas no Jornal das Famílias) é a tentativa de se aproximar do chamado romance moderno, discutido desde o fim o século XVIII, como destaca Márcia Abreu:
Uma narrativa centrada na vida real, próxima do leitor no tempo e no espaço, que trata de coisas que podem acontecer a qualquer um em sua vida cotidiana, escrita em linguagem comum, elaborada de forma a convencer o leitor de que a história relatada realmente aconteceu e de modo a provocar reações de identificação, fazendo aquele que lê colocar-se no lugar do personagem e com ele sofrer ou se alegrar (ABREU, 2003, p. 292).

Machado de Assis, aliado à sua inteligência e à sua vocação teve uma série de elementos a impulsioná-lo em sua carreira como os recalques por motivo de raça e de origem, que lhe possibilitou ser um escritor singular que jamais será visto igual e é isto que ele traz em sua obra, uma singularidade incomparável.

Referências

ABREU, Márcia. Os caminhos dos livros. Campinas: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 2003.

ASSIS, Machado de.  Confissões de uma Viúva Moça. In: Contos Fluminenses, Jornal das Famílias (1863-1878), 1o de abril de 1865

GLEDSON, John. Machado de Assis: ficção e história. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.

SILVA,Ricardo V.  Uma Ditadura contra a República: Política Econômica e Poder. 1968, p. 294)

TACCA, Oscar. As vozes do romance. Tradução Margarida Coutinho Gouveia. Coimbra: Almedina, 1983.

XAVIER, Therezinha Mucci. A personagem feminina no romance de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Presença, 1986.

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